Filipa Matos
Sempre gostei de imaginar que de uma vida se deveria fazer pelo menos um livro ou então um álbum de recortes ou fotografias.
A noite resgata ainda os últimos raios de sol para que se possa encontrar na escuridão.
Gajo bom que escreve crónicas, conquista-nos sempre pela sua vulnerabilidade.
Crónica de uma guerra anunciada com dia marcado, por Filipa Matos.
Lembro-me de ter adormecido no pós-modernismo. Lembro-me tão bem… Mas quando acordei, dei por mim na hipermodernidade.
A discriminação só se pode compreender quando passamos por ela? Ou a discriminação está fadada a ser sentida por aqueles que sempre observaram a sua existência? Por quem observa. Como ignorar o grande monstro de que fazemos parte, uma vez observado?
É difícil manter a inspiração e a inocência quando tudo à nossa volta parece concorrer para mais um inevitável ciclo hegeliano da história.
Olhamos para a tecnologia com a esperança que nos ajude a sermos cada vez mais nós próprios, mas é a tecnologia que cada vez mais redesenha a forma como pensamos e sentimos.
A placa azul e branca sobressaía no meio dos azulejos que contavam a história da pequena terra onde cheguei pela primeira vez.
[sentados uma última vez] E quantos não se terão sentado aqui antes de nós? De caneta na mão, dedo no ar e folha vazia. [na mesa, na máquina de escrever ou no ecrã] 2020 à janela.
Uma das minhas memórias televisivas mais antigas surge associada ao tributo que foi feito em 1988 a Nelson Mandela, no estádio de Wembley, pelo septuagésimo aniversário do ainda prisioneiro político. Ficou conhecido como o “Mandela Day”.
Dez para as sete. O tempo começa a mudar. A papelaria do bairro está quase a fechar. Uma fila enorme de pessoas espera para jogar na raspadinha. É constituída sobretudo por trabalhadores da construção civil que acabaram de chegar numa carrinha branca. Carregam nas mãos ainda sujas de tinta as notas da retribuição salarial do dia. Tiram metade para apostar em jogos da sorte.