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Juão Nÿn apresenta disco de estreia composto em Tupi

Escrito por em 07/08/2024

“Nhe’etimbó”, o disco de estreia de Juão Nÿn, foi elaborado integralmente em Tupi, como forma de “direcionar a atenção da indústria musical para a música indígena contemporânea”.

Como um “contrafeitiço musical”, o álbum de estreia do cantor e compositor potiguara Juão Nÿn é lançado a 8 de agosto. A partir do conceito original de “Voz, Fumaça de Corpo” – interpretação livre do neologismo Nhe’etimbó -, o autor cria a “elaboração de que a voz é corpo para devolver no canto dignidade ao próprio recorte indígena, revalorizar o sagrado nativo e deixar um material artístico e criativo da própria cultura étnica, sendo um bom ancestral”, pode ler-se na nota de imprensa que acompanha o lançamento discográfico.

Ao longo das nove faixas cantadas em Tupi, com um prólogo e um epílogo com ruídos baseado no Grito/Canto dos Anjos, Juão apresenta “uma pesquisa pela cultura do próprio povo”, numa obra que “entrelaça a riqueza cultural indígena com sons contemporâneos e dançantes”. “Karaimonhang” é o cartão de visita do projeto e traz a palavra “como portal, como um pedido de benção a ser colocado na boca do público.”

“Eu penso arte e vida de uma forma muito integrada, então este lançamento é fruto deste movimento de colocar pra fora tudo o que já estava dentro de mim há tempos. São músicas que eu já canto entre os meus, com as pessoas que já estão comigo”, conta Juão.

O álbum parte do conceito da “fumaça” ser vista como a ponte entre o mundo material e imaterial, baseado numa citação de Catimbó em que “a fumaça é a voz”. “Então, na hora em que me juntei a Romildo Araújo, meu professor de Tupi Potiguara, e ao produtor Guilherme Kastrup, transformamos as canções que já me orbitavam, seja no teatro ou no terreiro”, completa o artista.

“Nhe’etimbó” evoca a simbologia da fumaça, baseada na ideia do “contrafeitiço”. Cada faixa é “uma manifestação musical que busca transformar a perceção e a consciência do público, começando pela intro “Awe nhe’e”, que resgata palavras sagradas que sofreram um uso pejorativo por causa do racismo religioso”. “A alma das nossas palavras está na linguagem, como um feitiço, por isso apresento o álbum completo como um contrafeitiço”, enfatiza Juão. O interlúdio é “amarrado” ao final do disco, pelo epílogo “Awe Timbó”.

Com a intro, o alinhamento do álbum segue então para o primeiro single “Abya Yala”, que traz uma “expressão afirmativa para ecoar “Terra Viva”, pelos povos originários. O termo é oriundo da cosmovisão do povo Guna do Equador, e enfatiza como os povos decidiram chamar o continente – ao invés de usar o nome de um colonizador para batizar as terras em que vivem.”

“Ka’atimbó” é apresentada como uma “metalinguagem por trazer literalmente um catimbó”. “Esta é uma canção de 1938, que foi registada pelas missões folclóricas de Mário de Andrade. Ela é cantada em português e quando escutei identifiquei ser uma canção de cosmologia potiguara”, explica Juão. A terceira faixa é “Asé”, o segundo single, criado a partir de um provérbio potiguara. “Timbora”, que significa fumaça em Tupi, versa sobre como a mesma “relaciona os mundos materiais e imateriais, e as influências entre ambos”.

Ao abrir a segunda metade do álbum, “Tamui Peba”, por sua vez, é uma canção “mais infantil com o intuito de ajudar a lidar com o luto, por meio de versos sobre um ciclo de retroalimentação sobre a carne de caça”. Seguida por “Xawara Supé”, uma composição sobre “o entendimento de Juão se ver no meio de uma guerra entre a fumaça boa e a ruim”, “fala sobre como nós artistas guerreiros da cultura estamos batalhando nessa guerra das fumaças, como metáfora para o imaterial”.

“Karaimonhang” ressalva a “palavra como um portal”. Já “Iniaba” é uma canção que “brinca sobre respirar e fumar”: “Ao fazer isso viramos uma rede para o vento se balançar, é uma música bem bucólica e rural para saudar esse ancestral que é o vento”, conta Nÿn.

Para completar o alinhamento, Juão apresenta “Sy’I”: “fiz esta música para a minha mãe e para a minha avó, como uma canção para ninar mães, pois quando estou no colo dela esqueço que viver é esta insistência”, reflete o artista. O álbum é “amarrado, como um ato cultural, reafirmando seu lugar como algo imaterial, pois a cultura, a música, a palavra e a fumaça” são coisas que “ninguém consegue pegar mas todos conseguem sentir”.

Gravado integralmente na Toca do Tatu, estúdio de Kastrup, o disco de estreia de Juão traz como principais influências artistas indígenas contemporâneos como Cacique Pequena, Wakay, Gean Ramos e Fykya Pankararu, Lyryca, Kuaray O’ea, Siba Puri, Brisa Flow, Kaê, Wescritor, MC Poka Roupas, entre outros.

Com uma veia artística “pulsando” desde a infância, o multiartista Juão Nÿn, nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, em 1989, carrega “firmemente” no peito a história da sua família e de toda a comunidade indígena do “único” local no Brasil que “não tem terra demarcada”. Tal cenário torna-o “guerreiro da cultura, que utiliza a mesma para a criação de novas narrativas e imaginários que se desdobram em novas realidades”.

Formado em Teatro pela UFRN, em 2013, Juão trilha um caminho entre as diferentes formas de expressão rumo aos espaços de maior contato com o público, ecoando sua mensagem. O artista já se apresentou no Festival Dosol (Rio Grande do Norte), no Palco do Rock (Bahia, 2009), no Open Circle (Suíça, 2010), e, mais recentemente, no Museu do Amanhã, no Semeia, em 2024.

Aos 12 anos, o artista e a sua família migraram para Curitiba, onde começou a ter um “bruto” contato com uma visão “xenofóbica e classista” do Sul em relação ao Nordeste. Aquele movimento, no entanto, aproximou Juão ainda mais da sua história. O cantor e também compositor trocou a letra “i” pelo “y” em seu nome, em 2017, como parte de um movimento político quando começou a estudar a sua língua natal. “O tupi está na nossa boca o tempo todo, tá nas ruas da cidade”, relata. A arte teve um papel fundamental na sua “religação” com quem é. Desdobrou-se por meio da performance tanto nos palcos de teatros quanto em espetáculos das suas bandas AK-47 (criada em 2006, com o seu rock pesado) e Androyde Sem Par (em 2013, formada por Juão Nÿn e Emmo Martins).

Em 2014, o multiartista mudou-se para São Paulo e, “inquieto, mesmo com os trabalhos musicais, não desistiu do teatro”. Na capital, Juão ingressou no Coletivo Estopô Balaio, o qual integra há 10 anos. Ao longo de toda a caminhada, o anseio por colaborações garantiu ao artista parcerias com Talma&Gadelha, em “Caê”; com Simona Talma, em “Ficção”; e com a Drag Potyguara Bardo, em “Yncenso”.

Com a banda Androyde Sem Par, Juão acumulou nomeações e prémios como o de Melhor Canção, no Festival de Música do CEPRN 2013 (por voto popular e do júri), com a música “Sazonal”. Além de conquistar as categorias Revelação Musical, pelo Prémio Troféu Cultura, em 2012; e Melhor Vídeo Musical com “Não Há”, no 20.º Prémio Hangar de Música – regressou este ano para ser celebrado como Homenagem do Ano, na 21.ª edição.

Fotografia de capa de Juão Nÿn por Gustavo Paixão.