Camila Cabello – da Karla de ‘Havana’ a estrela da pop futurista
Escrito por Daniela Azevedo em 01/07/2024
Vestida com uma fatiota ousada e propositadamente desalinhada ao estilo cyber, Camila Cabello animou o quarto dia de Rock in Rio Lisboa com uma performance alegre, sincronizada e arrojada com todas as suas manobras com bicicletas no palco principal decorado com um carrossel minimalista e um halfpipe para acrobacias de BMX.
É importante não esquecer (e valorizar!) que Cabello saltou para os olhares do grande público aos 15 anos, como uma das vozes das Fifth Harmony, um grupo feminino formado por Simon Cowell a partir de um grupo de concorrentes ao “X Factor” dos Estados Unidos. Desde que, em 2016, a cantora saiu do grupo, que se foi assistindo ao seu progressivo enfraquecimento até ter surgido o anúncio oficial de uma pausa por tempo indeterminado em 2018.
Definitivamente estabelecida na sua carreira a solo, Cabello, de 27 anos, apresentou-se em Lisboa na sua versão que acompanha o mood de “C, XOXO”, o novo álbum, lançado no mês passado. O corpo de bailarinos ajudou a criar todo o ambiente de festa arrojada a que o concerto aspirou e materializou em coreografias inebriantes.
‘Twentysomethings’ e ‘Chanel No.5’ foram das primeiras a dar um cheirinho do álbum novo, ainda que tudo tenha começado com ‘I Luv It’, o primeiro single deste quarto álbum a solo de Camila Cabello. ‘I Luv It’ traz uma sonoridade que vem contrastar com a musicalidade que vinha a seguir até aqui. Entre as vozes que a criticam e acusam de imitar Charli xcx, Ariana Grande, Lana Del Rey ou Rosalía, a cantora lá vai deixando o online “pegar fogo” enquanto prossegue, confiante, nas suas novas exibições com o “cabelo descolorado e todo estragado”, como a própria assumiu. A verdade é que parece estar a entrar numa onda de hip-hop e abuso do auto-tune que é capaz de vir a afastar alguns fãs de primeira geração.
A novíssima ‘B.O.A.T.’ gerou uma certa estranheza, por ser uma balada de namorada arreliada, mas quanto mais a ouvimos, mais fica na nossa cabeça. Seguiu-se ‘In The Dark’, muito próxima do público, e a emocionante ‘June Gloom’.
À medida que aquela introdução de piano de bar empoeirado de Havana ganha vida, Cabello é fortemente aplaudida pela multidão que aguardava, sem dúvida, pelas músicas mais conhecidas. ‘Señorita’ alinhou-se pelo mesmo ambiente sonoro e o concerto ganhou o desejado impulso de energia imprescindível num espaço de festival.
Se algo ficou demonstrado nesta atuação, é que a cantora está a divertir-se muito enquanto “brinca” em palco com as câmaras e vai fazendo piadas com o público português a beber Sumol e comer pastéis de nata. Ah! E filma tudo com um telemóvel. Este momento parece ter gerado estranheza e, portanto, crítica imediata e fácil, mas pareceu-me apenas engraçado e informal (ainda alguém se lembra de quando os concertos tinham momentos de espontaneidade? Pois…).
Pelo meio, a cantora cubana-mexicana tentou fazer uma piada com Cristiano Ronaldo, mas não lhe correu tão bem. Assim, também não se fez rogada e disse: “não me devem vaiar a mim, mas sim à pessoa que me disse que vocês gostavam dele!”.
Mas, seja como for, depois da sua fase de menina certinha e tímida chamada Karla, talvez um pouco de controvérsia seja exatamente o que Cabello pretende desta vez.
Daniela Azevedo
A mudança de localização do Parque da Bela Vista para o Parque do Tejo e do Trancão só foi uma boa ideia na cabeça de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Nem Roberta Medina, filha de Roberto, responsável pela organização do Rock in Rio Lisboa, parecia especialmente satisfeita com a nova localização nas declarações iniciais à comunicação social.
Os piores receios confirmaram-se. Apesar dos preçários dos bares apresentarem a disponibilidade de cerveja preta (no caso, Super Bock Stout), a mesmo nunca chegou a estar disponível no recinto. Que informação dramática, ironizarão algures. Certo. É apenas um exemplo da desorganização patente nesta edição do festival. Querem outro? As camadas de terra e pó dignas do primeiro festival Sudoeste. As filas para comer, para beber, para o wc e para os brindes eram inenarráveis de más. Já os VIPs devem ter ficado contentes com as inovações: o salão de festas vip é agora bem mais próximo do palco mundo e alguns bares tinham acesso exclusivo a VIPs. Maravilha. Menos para a Sónia Tavares, que cometeu o pecado da gula ao comer um croquete e ao beber uma imperial. Imperdoável. Onde é que ela achava que estava? Na festa da aldeia? Abusou e pagou a fatura.
Falando um pouco mais a sério, o festival tem de estar agradecido à Sónia e aos The Gift por todos os momentos proporcionados pela banda, em palco, em Portugal e no Brasil. Além disso, como comentadora e especialista do meio musical, Sónia Tavares deu um contributo muitíssimo acima da média face à cobertura da SIC – recheada de asneiras, tiros nos pés e momentos “sem cérebro” como a crítica a concertos que ainda estavam a decorrer e as perguntas e respostas de interesse nulo (incluindo duas entrevistas no espaço de 10 minutos a Bárbara Guimarães), vulgo vox pop (a lembrar a célebre frase “stop making stupid people famous”). Nos primeiros anos de Rock in Rio Lisboa era possível aceder à zona vip, como jornalista, sem qualquer drama. Dizem que a comunicação social está pela hora da morte e este pormenor sem a mínima importância talvez o comprove. Na visita ao espaço, a poucos dias do arranque, os jornalistas são tratados nas palminhas. Podem estar na zona vip a comer e a beber, todo o tipo de comidas e bebidas, “à grande”. Após o arranque do festival nem a televisão parceira, a mesma que dedica horas e horas de emissão em direto em diversos canais ao festival, tem direito a surripiar um croquete e uma jola. Adiante.
Algo positivo do Rock in Rio face aos demais festivais de média ou grande dimensão é que a generalidade dos concertos têm transmissão televisiva. E se a RTP tem estabelecido o modelo ideal para a cobertura de um festival de música (seis palcos simultâneos na RTP Play no caso do Nos Alive e concertos que ficam arquivados na RTP Palco), a SIC ainda parece caminhar pelos prados verdejantes do jurássico – geralmente a realização é arcaica, a seguir ao vocalista vem mais vocalista, nem interessa se é o teclista ou o guitarrista a fazer um solo; o som do público é inaudível ou inexistente; a imagem até pode ser da banda portuguesa que está no palco Tejo ou palco Galp, mas o som é de um desinteressante vox pop do palco mundo ou de uma entrevista a essa mesma banda, horas antes, e a melhor altura para a exibir é durante o concerto, pois claro. No final, muitas palmadinhas nas costas, muito “amor próprio”, concertos “incríveis”, tudo “fabuloso”, os “maiores de sempre”. Recomendo-lhes que passem umas horinhas à frente da “telly”, a ver a BBC na cobertura de um qualquer evento musical.
Quanto ao rock presente no nome do festival foi difícil encontrá-lo no Parque do Tejo, exceto no primeiro dia, nos concertos de Blind Zero (curto, mas intenso), Extreme (com um Nuno Bettencourt endiabrado), Rival Sons, Evanescence, Europe (em grande forma) e Scorpions (com bastante garra).
O segundo dia foi, de longe, o pior. Claro que os fãs indefectíveis de Calum Scott e Ed Sheeran vão discordar, mas a verdade é que pouquíssima (ou nenhuma) inovação se pode esperar de concertos que repetem a mesmíssima fórmula há anos. Carolina de Deus e Capitão Fausto foram “os salvadores da honra do convento”.
Ao terceiro dia houve o insólito de todos os palcos de um festival serem interrompidos para exibir um jogo de futebol. No caso, o Portugal x Turquia do Euro2024. A inspiração deve ter sido o discurso final da Festa do Avante. O inspiradíssimo concerto dos Ornatos Violeta com os convidados especiais Ana Deus, Gisela João e Samuel Úria celebrou “O Monstro Precisa de Amigos” e deixou muitas saudades. Outra atuação relevante foi a dos James. Nem parecia o alinhamento de um festival, antes o de um concerto em nome próprio, com temas novos, clássicos pouco óbvios, uma delícia. Pelo meio ainda foi possível ir ao Digital Stage espreitar Mamonas Assassinas O Legado, banda que inclui dois dos atores do biopic “Mamonas Assassinas – O Filme“. Uma imparável diversão.
No quarto e último dia de Rock in Rio Lisboa houve Camila Cabello no palco mundo. Na SIC Radical, apesar do áudio estar desfasado, houve finalmente uma realização televisiva de qualidade (a equipa da cantora estava à frente dos comandos). O concerto de Doja Cat foi o típico caso de muita parra para pouca uva ao qual faltou… música. O mesmo poderá ser dito sobre Luísa Sonza, que dispara em todas as direções (musicais, leia-se), mas que falha quase sempre o alvo. Já o autotune em piloto automático de ProfJam acerta sempre. Mas dado o volume ensurdecedor, no limite da distorção, procurar um refúgio tornou-se muito recomendável. O Rock in Rio marca novo encontro para junho de 2026. Que as melhorias se façam notar.
Filipe Pedro