“Formas de Estar” de Vasco Ribeiro & Os Clandestinos
Escrito por TunetRádio em 19/04/2024
Do folk ao fado, Vasco Ribeiro & Os Clandestinos editam o segundo álbum de originais, “Formas de Estar“. Com 13 faixas, o grupo lisboeta traz “novos ares” à música popular portuguesa.
Entre quartos “desarrumados”, uma “casinha velha” perto dos campos do Gerês e os estúdios Namouche, em Lisboa, o grupo Vasco Ribeiro & Os Clandestinos gravou o disco que agora edita, “Formas de Estar”. O título do álbum representa diferentes “fases de crescimento e estados de espírito – algumas músicas foram feitas com espaço de seis anos entre elas –, e inclui na essência diferentes géneros musicais como folk, pop, fado e bossa”, lê-se na nota divulgada à imprensa. “Queremos despertar no ouvinte formas amplas de sentir, sejam elas peculiares ou dessemelhantes”, conta Vasco Ribeiro.
Logo após lançarem o primeiro álbum de originais, “Mais Um Dia”, em 2020, o grupo com base em Lisboa começou a pensar no que viria a ser o próximo. Havia músicas antigas que tinham “ficado na gaveta e outras que foram criadas durante o período de pandemia” – assim foi formado o repertório de “Formas de Estar”. Com as “bases prontas e boa parte dos arranjos planeados, a banda foi para os estúdios Namouche, inaugurados em 1973, e por onde passaram nomes como Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Fausto e Jorge Palma, que coincidentemente integram a lista de referências do disco”. “Foi um processo eletrizante e de entusiasmo infantil. Éramos um grupo de músicos e amigos movidos pelo ideal de estarem a criar algo genuíno. Buscamos fazer um disco o mais dinâmico e diversificado possível, e penso que esse objetivo foi concretizado”, diz Vasco Ribeiro.
Além dos elementos base que constituem o projeto ao lado de Vasco Ribeiro – Francisco Nogueira, Rafael Castro, Henrique Rosário e António Gonçalves –, participaram do disco novos Clandestinos e Clandestinas, que devem também integrar futuros concertos. Entre eles estão o cantor, compositor e flautista Gabriel Pepe; os saxofonistas João Arez e André Monteiro; o trompetista italiano Samuele Lauro; o ex-integrante da banda Steven Gillon; e o coro de vozes formado por Constança Branco e Carlota Loureiro.
A partir de uma colagem feita por Vasco Ribeiro com fotografias de todas as pessoas que de alguma forma participaram da construção do álbum é que foi realizada a capa, que apresenta também ilustrações dos singles já lançados. O lettering do título foi feito pela designer Rita Caldeira, e o artwork do interior do álbum físico foi feito por Mariana Fraga, que também auxiliou na capa. “A ideia da capa é algo a roçar o imaginário dos Monty Python. A fotografia de fundo é uma paisagem do Gerês, lugar encantado onde me refugio desde muito cedo para compor e refletir no meio da natureza. A arte consiste num amontoado de pessoas e influências que fizeram com que o álbum ganhasse vida”, afirma Vasco Ribeiro.
O disco tem início com “Voz Interior”, uma das canções mais folk do repertório, e que apresenta instrumentos tradicionais portugueses como o adufe. “Esta é uma das músicas mais antigas do projeto e fala sobre aventura e descoberta individual”, diz Vasco Ribeiro.
Já “Vida de Cão”, uma música de protesto inspirados na sonoridade dos anos 70 e cantautores como Sérgio Godinho, conta uma história real, acrescida de alguns elementos ficcionais. “Tenho um amigo chamado Francisco, um sem-abrigo com quem me encontrava nas ruas desertas, principalmente durante o período da pandemia. Ele partilhou comigo muitas das suas peripécias de vida que o levaram a viver na rua há já mais de 5 anos.”
“Meu Corpo Vai”, uma das canções mais complexas do álbum, possui grandes arranjos de sopros e de coro de vozes, além de alguma sonoplastia incorporada à mistura. “É uma música que se poderá enquadrar no género do world music, o que quer isso signifique, e que trata sobre a perda e sobre o recomeço.”
Um dos singles a antecipar o disco, “Canas Soltas”, traz uma história passada às margens do rio Tejo e conta com um vídeo musical realizado por Henrique Montalvão. “Esta canção, um folk tradicional com um toque modernista, utiliza instrumentos pouco habituais no projeto, como o acordeão e a cabaça. A narrativa é sobre a obsessão de um jovem que se apaixona por uma rapariga que vê passar na rua, e também sobre peripécias da cidade de Lisboa.”
A única bossa do álbum, “Primavera”, é uma música doce, com interpretação de Henrique Rosário no piano, Francisco Nogueira no contrabaixo, e um solo de saxofone alto de André Monteiro. “Ao contrário de todas as outras, esta foi composta por Rafael Castro, com letra minha. É uma ode a esta maravilhosa estação e a comparação desta, até certo ponto, com um estereótipo de mulher primaveril.”
“Avenida Morta” foi escrita na quarentena e tem inspiração na sonoridade e na poética de Chico Buarque. “Representa um grito de esperança e de liberdade, e fala sobre como essa liberdade pode ser tão frágil. Diferente das outras, esta canção foi gravada num só take, com todos a tocar ao mesmo tempo para tirar o maior partido do sentimento da música.”
Em “Qualquer Um Cantor”, temos uma história sobre os sonhadores que deambulam pelas cidades. “Se os Beatles tivessem feito um fado, possivelmente poderia soar a algo parecido com esta canção – os mais atentos vão perceber o porquê. Fala de forma um pouco abstrata sobre a busca incessante da veia artística e individual de cada um. É mais um poema cantado do que uma canção propriamente dita.”
Primeiro single do álbum a ser lançado, “O Sonho” ganhou para a versão do disco uma nova mistura e masterização. Entre as diferenças sonoras está o trompete de Samuele Lauro, músico italiano que, durante uma breve passagem por Lisboa, conheceu Vasco enquanto este tocava na rua, no Miradouro de Santa Luzia. “Esta é talvez uma das músicas mais pessoais do disco, escrita no início da pandemia, sobre as ansiedades e medos de ser um jovem num mundo que se apresenta tão confuso e polarizado.”
“O Homem Que Falava Demais” foi o último e principal single do álbum, além de ser a faixa mais pop. “Esta música fala dos extrovertidos e dos introvertidos. Sobre os que falam demais quando estão bem e saudáveis, e sobre os que por necessidade ou feitio, falam de menos. Sobre o que escuta, e também sobre o que quer ser ouvido.”
Faixa mais experimental do projeto, “Deita-te” é repleta de sonoplastia e brincadeiras sonoras, com influência de Zeca Afonso no refrão, e beat criado com guitarra que acompanha toda a música. “A letra longa, corrida e poética, de temática abrangente, traz influências literárias como Henry David Thoreau, Homero, Platão e George Orwell, além de reflexões sobre o estado do mundo e sobre como o capital cria uma sociedade cada vez mais desigual de opressores e oprimidos.”
“Sombra do Meu Ser” é uma balada romântica que apresenta um lado mais sentimentalista do disco. “Trata sobre o fim da relação de um primeiro amor, a dor do coração partido, o salto no abismo. Tem a interpretação exímia de Henrique Rosário no piano e de Francisco Nogueira no contrabaixo, e uma orquestração de quarteto de cordas no final da música feita por Steven Gillon, com recurso a VSTs.”
Lançada em 2023, “Nada Em Especial” é inspirada no irish folk de bandas como The Pogues, e tem participação especial de Carlota Loureiro que, além de fazer parte do coro de vozes de músicas do disco, canta aqui lado a lado com Vasco Ribeiro. “Na perspectiva utópica de um sonhador, esta música é uma odisseia rápida e abstrata sobre a história da evolução humana.”
“Lia Anarquista”, um tema extra, finaliza o álbum com “diversão e descontração”. Tal como “Avenida Morta”, foi gravada em um só take. “Conta uma história fictícia, baseada em factos reais, que segue uma jovem anarquista e as suas aventuras tão peculiares. Faz lembrar, até certo ponto, a vibe dos Mamonas Assassinas, com guitarras intencionalmente altas.”
No dia 2 de Maio, acontece o concerto de lançamento do álbum no B’leza. No repertório, além do álbum na íntegra, eles também vão apresentar algumas canções do disco de estreia, “Mais Um Dia”. “Em cima de palco, estarão todas as pessoas que de forma mais ou menos direta, fizeram com que as “Formas de Estar” ganhassem vida”, comenta Vasco.
O concerto de abertura ficará ao encargo dos Bicho Carpinteiro, um projeto de neo-folklore, trad-core e agro-dance. “Eles são uma verdadeira celebração da cultura portuguesa. A banda combina samples de voz de recolhas no Portugal profundo, como fados e chulas, com violas em duelo sobre ritmos pulsantes”, explica Vasco.
Através de texturas acústicas e eletrónicas, os Bicho Carpinteiro transportam o público para um universo musical único, que os liga às raízes e à identidade portuguesa. “Rui Rodrigues e Diogo Esparteiro, os talentosos músicos por trás do Bicho Carpinteiro, são conhecidos pela sua capacidade de transformar as suas visões criativas em manifestos de palco originais. Além de serem experientes em estúdio, também são mestres em proporcionar experiências únicas e cativantes ao vivo”, conta Vasco.
Vasco Ribeiro & Os Clandestinos é um projeto de música popular portuguesa que se caracteriza pela voz do cantor e compositor Vasco Ribeiro como forte componente lírico, e pela diversidade sonora dos Clandestinos. Sediada em Lisboa, a banda que acompanha o vocalista é atualmente constituída por Francisco Nogueira (baixo e contrabaixo), Rafael Castro (guitarra elétrica e segundas vozes), Henrique Rosário (teclas e acordeão) e António Gonçalves (bateria e percussões).
Iniciado em 2018, o projeto une a música tradicional portuguesa ao folk moderno, com forte influência do cancioneiro português e letras complexas de perspicácia singular. Influenciados por nomes da MPP como Zeca Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco e Jorge Palma; e da MPB, como Caetano Veloso e Chico Buarque; e até por cantautores franceses e italianos, seguindo o princípio de que a música e a arte devem servir o propósito de unir pessoas e alimentar o espírito humano.
Em 2020, lançaram o primeiro álbum de originais, “Mais Um Dia”; seguido dos singles “O Sonho”, “Primavera”, “Vida de Cão”, “Canas Soltas” e “Nada em Especial”.
Fotografia de Vasco Ribeiro por Steven Gillon.