CÂMARA ESCURA
Escrito por Filipa Matos em 10/09/2022
CÂMARA ESCURA
[a very yellow white flash]Acordei num final da tarde,
quando o sol se punha
e já não sabia em que dia estava.
Não.
Lembrava-me apenas da existência de um pós-guerra qualquer,
aquele em que todos os coniventes haviam sido perdoados
e os resistentes condenados.
“Who in your very, very month of May?”
[e a Taro e o Capa em fita]Miro.
[o meu filho, o meu tio e a minha avó]A mira é feita de uma luz incandescente de pixel,
anónima e isenta de qualquer ética, narrativa ou poesia,
comprometida somente em chegar ao poder
e encurralar a diferença.
Pela moral, pela ignorância e pelo dinheiro.
Não.
Pela fome.
Dirt, filth?
[grunge]Na ilusão de viajarmos depressa demais entre os séculos,
servimos de script aos sonhos, medos e intelectos,
reduzidos a dados biométricos,
apontados a nós na fronteira.
A Norte, Sul, Este e Oeste.
[nada de novo]Nouvelle Vague:
“There is only one way to be an intellectual revolutionary, and that is to give up being an intellectual.”
Não.
A noite resgata ainda os últimos raios de sol para que se possa encontrar na escuridão.
Enquanto uma alma paira entre as fronteiras.
Sozinha.
Uma criança
interrompe-me o silêncio,
como ainda fazem os anjos.
Em Espanha.
Desinfeta as suas mãos
e estende-me uma maçã bíblica,
sob a forma de storytelling.
Coloca a máscara,
e pergunta:
“Is this the kind of kiss you were waiting for?”
Entrego-lhe o meu coração.
Pequeno o suficiente para se libertar das amarras da palavra.
Pequeno o suficiente para fugir ao olho de Mordor.
Pequeno.
Riders on the storm:
“in this world we are all thrown”
“there is a killer on the road”
“you gotta love your man”
Não.
O sol não nasceu para todos.
Ainda.
Vai escolher outro dia.
Filipa, 15.9.2022