Fundação Côa faz réplicas da arte rupestre em 3D
Escrito por TunetRádio em 10/08/2022
A Fundação Côa Parque está a replicar, através de técnicas digitais “inovadoras” em 3D, peças da arte rupestre que foram encontradas em sítios arqueológicos, convidando os visitantes a assistir a este processo, em tempo de aniversário do Parque Arqueológico.
“O que é inovador neste projeto é a dimensão tecnológica, aplicada a esta conservação. Aplicamos várias técnicas de fotogrametria, quer ativa quer passiva, através de leitura laser, para criar réplicas digitais absolutamente exatas destes objetos com uma precisão de 10 a 15 micra (mais fino que um cabelo), para preservação da memória futura, no caso de acontecer alguma coisa aos originais”, explicou Miguel Almeida, um dos investigadores envolvidos no processo.
Segundo os responsáveis, este processo de digitalização tridimensional permite partir para outro patamar de investigação, que até aqui não era possível no Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), que hoje assinala o seu 26.º aniversário.
“Até agora não era possível fazer mais investigação, porque não havia o detalhe na análise que este processo permite. Outras das vantagens é que as peças puderam circular por exposições por todo o mundo, sem ser necessário levar o original”, vincou Miguel Almeida.
Este processo está incluído no projeto “Kassandra@Côa” que é da responsabilidade da Fundação Côa Parque e conta com a colaboração da várias entidades académicas como o Instituto Politécnico da Guarda, Universidade de Coimbra, Junta de Castela e Leão e uma empresa privada de arqueologia, financiado pela Fundação ‘ La Caixa’.
“Esta réplica, no caso das placas, ajuda em situações em que são solicitadas peças ao PAVC, e podemos responder com estes modelos digitais precisos. Numa exposição, por vezes é mais divertido ter um objeto que pode virar ou mover digitalmente, do que ver uma peça estática num expositor”, concretizou.
Outros dos exemplos dados, é que já foram solicitadas peças para o Extremo Oriente e, em vez de se enviar uma peça original que tem custos com transporte e seguros, podem enviar-se réplicas fiéis, digitais em 3D.
Para já foram digitalizadas cerca de 30 peças que estão expostas em Lisboa, no Museu de Arte Popular, que depois seguem para o Museu Nacional de Arqueologia de Espanha. Este projeto implica a digitalização sistemática dos três sítios visitáveis da arte rupestre do PAVC, que são a Penascosa, Ribeira de Piscos e Canada do Inferno, a que se junta o sítio do Fariseu, de momento em prospeção e apenas visível através de canoa.
“Como se trata de documentação para memória futura, começamos pelos sítios que apresentam maior pressão ao risco de degradação”, frisou. Segundo a presidente da Fundação Côa Parque, Aida Carvalho, neste período de aniversário os visitantes do PAVC e do Museu são convidados a vir observar diretamente estes trabalhos e mesmo a interpelar os investigadores acerca das tarefas em curso e sua relevância para o estudo da arte paleolítica do Vale do Côa e dos seus autores.
”No quadro de uma estratégia de abertura da investigação científica à comunidade, produzida na Fundação Côa Parque, e de aceleração da sua ampla divulgação, estes trabalhos decorrerão nos próximos dias, sendo executados nas próprias salas do Museu ou na sua reserva, excecionalmente aberta ao público durante estes dias”, revelou Aida Carvalho.
Outro dos objetivos dos investigadores é associar o projeto Kassandra@Côa a um sistema de videovigilância, “em tempo real e sem fios”, para que a monitorização dos sítios arqueológicos seja feita “de forma contínua e em tempo real” a partir do Museu do Côa.
Aida Carvalho adiantou ainda que o PAVC recebeu, ao longo dos seus 26 anos de existência, 336.545 visitantes até dezembro de 2021, provenientes um pouco de todo o mundo. “O ano de referência turística é o de 2019, que foi completo. Comparado o período homólogo de 2019 com 2022, o crescimento em número de visitantes é de 22%”, contabilizou.
O Parque Arqueológico do Vale do Côa foi criado em agosto de 1996. A arte do Côa foi classificada como Monumento Nacional em 1997 e, em 1998, como Património Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Como uma imensa galeria ao ar livre, o Vale do Côa apresenta mais de 1.200 rochas, distribuídas por 20 mil hectares de terreno com manifestações rupestres, sendo predominantes as gravuras paleolíticas, executadas há mais de 25.000 anos.
Guias-intérpretes do Vale do Côa são fundamentais na divulgação da arte paleolítica
Os guias intérpretes do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PACV) são fundamentais para a divulgação da arte paleolítica do território, atuando como mediadores culturais, no maior santuário mundial da arte rupestre a céu aberto, como destaca a Fundação.
Passados 26 anos sobre a criação do PACV, que hoje se assinalam, os guias-intérpretes agem como comunicadores que levam ao grande público o saber dos homens e mulheres que, há mais 30.000 gravaram no xisto do Vale do Côa representações do seu mundo, através da fauna que conheciam, deixando testemunho de cavalos, auroques, cabras montesas e veados.
“Os guias intérpretes do PAVC têm uma função fundamental, porque, no fundo, os conhecimentos que os visitantes adquirem no Coa são transmitidos através destes profissionais. O guia é uma peça fundamental na interpretação da arte paleolítica deste território”, explicou à Lusa a presidente da Fundação Côa Parque (FCP), Aida Carvalho.
Diariamente, os nove guias intérpretes, ao serviço da FCP, têm mais que uma tarefa, ora são condutores de viaturas todo-o-terreno que transportam as pessoas aos núcleos visitáveis, como a Canada do Inferno ou a Ribeira de Piscos, ora são verdadeiros conhecedores de um território singular, sempre com o ‘saber na ponta da língua’ para elucidar os mais curiosos, ou para fazerem uma chamada de atenção aos mais distraídos, para a preservação destes sítios que são Património da Humanidade.
Aida Carvalho, que também foi guia intérprete no início do PAVC, disse que esta “foi uma experiência maravilhosa”. “Um guia é um contador de histórias. É também alguém que está a gerir um grupo de visitantes em que as idades podem ir dos oito ao 80, num processo em que tem que várias competências e muitas valências, sendo uma experiência marcante e um ensinamento para a vida “, concretizou a atual responsável pela FCP.
Os guias do Côa têm uma função multifacetada e consideram a sua profissão única no mundo, pela diversidade de tarefas. Uma das primeiras guias intérpretes do PAVC, Aldina Regalo, ao serviço desde 1996, explicou que tudo começou por uma questão de oportunidade, e no início foi uma descoberta.
“Embora haja a profissão de guia, nós partimos para uma profissão única no mundo, porque fazemos exclusivamente visitas guiadas ao Vale do Côa e acompanhamos os visitantes em todo os percursos, enquanto conduzimos a viatura que transporta o grupo”, indicou.
Por norma, cada guia leva um grupo de oito pessoas, lotação máxima da viatura 4×4, e faz três visitas por dia, dependendo dos horários. “No início da minha atividade o que mais me perguntavam era o porquê da paragem da construção da barragem em detrimento da arte rupestre. O projeto era recente, o que despertava curiosidade”, explicou Aldina Regalo.
Para a guia intérprete, o património arqueológico do Vale do Côa é muito maior do que qualquer interesse económico ou financeiro. Os guias do Côa são praticamente uma enciclopédia no que respeita ao conhecimento da Arte do Côa, criando-se laços entre visitantes e estes profissionais, que podem ficar para uma vida.
Uma das guiais mais recentes do PAVC, Marina Castanheira, que iniciou a sua atividade em 2019, contou que tudo começou pela sua formação em História e proximidade da sua cidade, a Guarda.
“Adoro o que faço. Sou uma apaixonada pelas visitas aos núcleos rupestres do Côa. Não só por ser uma guia intérprete, mas por poder partilhar tudo o que nós temos aqui com os visitantes que nos procuram todos os dias. Para mim acaba por ser um privilégio, porque estamos a trabalhar com um património único no mundo e que é da Humanidade e uma das primeiras formas de comunicação de nossa espécie”, vincou.
Contudo, se é uma profissão apaixonante, também tem as suas amarguras. Alguns destes profissionais multifacetados estão em fim de contrato de trabalho e não vêm um futuro muito risonho, depois de alguns anos de dedicação a um património que mundial que é e da humanidade.
No PAVC, no troço final do rio Côa, localizam-se mais de 80 sítios com arte rupestre e cerca de 1.200 rochas gravadas, num território de cerca 200 quilómetros quadrados, abrangendo áreas dos concelhos de Vila Nova de Foz Côa, Figueira de Castelo Rodrigo, Pinhel e Mêda, no distrito da Guarda.
Este “extraordinário” conjunto rupestre, como assim é interpretado pelos investigadores, distribui-se ao longo de dois eixos fluviais principais: do rio Côa, numa extensão de cerca de 30 quilómetros, e também do rio Douro, ao longo de cerca 15 quilómetros, para ambos os lados após a embocadura do Côa.
Em consequência do reconhecimento do interesse patrimonial e cultural deste conjunto de achados, foi criado, em 10 de agosto de 1996, o PAVC com a missão de gerir, proteger, investigar e mostrar ao público a arte rupestre.
A chamada “Arte do Côa” situa-se entre os 25.000 e 30.000 anos, e é dado a conhecer por um conjunto de guias, técnicos, arqueólogos, entre outros trabalhadores, há 26 anos.