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A pandemia que mais preocupa o povo nigerino é “a França”

Escrito por em 27/07/2022

A “pandemia” que mais preocupa o povo nigerino “é a França”, afirmou o artista Mdou Moctar, que apresenta esta noite o álbum “Afrique Victime”, no regresso do Festival Músicas do Mundo ao Castelo de Sines (Setúbal).

“A pandemia para nós é a França, não tivemos uma pandemia [de covid-19] no Níger, a pandemia para nós é a França e já lidamos com ela há 60 anos”, advertiu o guitarrista nigerino que, às 22:00, faz a sua estreia no palco do Festival Músicas do Mundo.

Em declarações à agência Lusa, o artista, que se confessa “triste” com os crimes que são cometidos ao seu povo, aponta o dedo a França que considera ser uma “má mãe” para os seus filhos.

“Temos urânio no Níger, mas não temos boa eletricidade e algumas vilas não têm sequer eletricidade. Se ficarmos sem eletricidade durante dois ou três dias no hospital perdemos muitas pessoas por essas razões, o que não faz sentido para mim, mas França continua connosco e é o nosso modelo”, lamentou.

O guitarrista, que cruza a tradição do seu povo com influências de grandes mestres do rock, em especial Eddie Van Halen, disse que não consegue “entender uma mãe que deixa os seus filhos à sede, quando tem a água”.

“Para mim, um bom modelo é, se não tiver a água e se os filhos tiverem sede, vai fazer os possíveis para lhes dar a água e vê-los sorrir. Aqui é ao contrário, temos a água para nós, mas temos a mãe que não nos dá a agua para beber e leva-a para o seu país e bebe-a. Que tipo de mãe é esta? É a França”, reforçou.

Ao apresentar em Sines o álbum “Afrique Victime” (2021), onde reflete sobre os direitos das mulheres, a desigualdade e a exploração da África Ocidental pelas potencias coloniais, o artista tuaregue procura passar uma mensagem de “unificação do mundo”.

“Trazer a minha cultura até aqui faz com que as pessoas percebam que temos coisas interessantes e ao tocar para as pessoas faço-as felizes, porque o mais importante é criar sorrisos”, sublinhou.

Mas “quero também que as pessoas saibam que há muito crime em África”, dando o exemplo do grupo terrorista Boko Haram, cujos membros “atacam vilas, matam pessoas” e cultivam “o medo” entre a população.

“Mas temos militares franceses no Níger que têm as armas, os helicópteros e a tecnologia. Temos militares americanos em Agadez, mas o Boko Haram, que só tem as motos e as armas, consegue matar toda a gente e ninguém lhes toca”, criticou.

Questionado sobre a escassez e o aumento do preço dos alimentos, devido à guerra na Ucrânia, o guitarrista reconhece que houve reflexos nos preços “que estão elevados”, embora ao contrário do Ocidente, o seu povo esteja mais preocupado “em sobreviver” à criminalidade e ao terrorismo.

O músico, que vai começar a gravar em setembro o próximo álbum intitulado “The Funeral For Justice”, com “uma forte mensagem política”, terá como alvos “França e outras coisas que o mundo não sabe”.

E quando, logo à noite, subir ao palco, com as sonoridades do povo tuaregue, que irão fazer despertar o público adormecido dos últimos dois anos, Mdou Moctar quer enviar uma mensagem ao mundo.

“Toco a minha música, mas sinto-me muito mal, porque no meu país, as pessoas às vezes não dormem nas vilas, porque têm muito medo. Só toco a música porque é o meu trabalho e é o que tenho para enviar a mensagem para o mundo”, confidenciou.

Quando “vejo muitas pessoas a dançar e a sorrir, desejo que um dia a minha cidade possa ter o mesmo sorriso. Antes, no deserto, tocávamos a música tradicional noite dentro, até de manhã, todos juntos, a cantar. Dormíamos na rua, víamos o céu e sentíamos essa sensação e França é responsável por tudo isto”, concluiu.

O FMM decorre no concelho de Sines até sábado, depois de uma pausa de dois anos devido à pandemia de covid-19, com uma programação que inclui 47 concertos de artistas de quatro continentes.

Ava Rocha, Bia Ferreira, Letrux (Brasil), Ana Tijoux (Chile), Queen Ifrica (Jamaica), Omara Portuondo (Cuba), Dominique Fils-Aimé (Quebeque), Dulce Pontes e Sara Correia (Portugal) são algumas das artistas que se encontram no cartaz do 22.º FMM.

Seun Kuti & Egypt 80, Etuk Ubong (Nigéria), James BKS (Camarões), Re:Imaginar Monte Cara (Cabo Verde), Club Makumba, Fado Bicha, Pedro Mafama (Portugal), Albert Pla e Angélica Salvi (Espanha) estão também entre os artistas confirmados este ano.

À semelhança de edições anteriores, a programação reparte-se entre a aldeia de Porto Covo, onde decorreu de sexta-feira a domingo, e a cidade de Sines, de 25 a 30 de julho.

Além dos concertos, a programação do festival inclui uma série de iniciativas paralelas, como exposições, ‘workshops’, visitas guiadas, animação de rua, uma feira do livro e do disco e debates.

Fotografia de capa por Nuno Pinto Fernandes (FMM Sines).

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