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Se Isto É Um Gajo Bom

Escrito por em 07/07/2022

Desde miúda que gosto de crónicas.

Apareciam quase sempre nas primeiras ou nas últimas páginas das revistas semanais que acompanhavam o jornal de fim-de-semana.

No Expresso, havia as Cartas do Comendador, que eu não percebia lá muito bem, a começar pelo pseudónimo, mas que lia sempre, enquanto pensava, “este gajo deve ser muita bom para poder escrever assim na última página da Revista.”

Quem será este homem?
Porque escreve cartas?
Para quem?

E enquanto a Rosa Lobato Faria declamava no programa do Herman que “o vento não bate assim”, eu pressentia que “um comendador não escreve assim”…

Ao longo da adolescência, as “cartas do comendador” continuaram a ser publicadas, só que eu já percebia que tudo andava à volta das tricas da pequenina política portuguesa.

E amei o pseudónimo.

Nos anos 90, juntava ao Blitz das terças e à revista do Expresso aos sábados, o suplemento semanal do El País, do DN e do Independente.

E já não eram só crónicas. Eram reportagens que explodiam de criatividade, humor e rebeldia. A perspetiva dos jornalistas transportava-nos para a envolvência de um concerto, de um comício, de uma fila de supermercado, de uma sala de xuto, de um novo bar no Bairro Alto, de um livro, de um disco, de um vinho. E os entrevistados da semana, tanto eram pessoas importantes, como eram pessoas comuns.

Quando lia aquelas páginas, percebia que a minha intuição de criança não me havia enganado. E que todos aqueles gajos só podiam ser mesmo muito bons para que os jornais de qualidade arriscassem publicar os seus conceitos que nasciam de um estilo jornalístico, literário e crítico, que para além de nos informar, se afirmava pelo direito à liberdade individual.

Ali, entre uma coluna e outra e entre a bola preta e as cinco estrelas que fulano e sicrano tinham dado ao mesmo filme japonês que acabávamos por ir ver ao King, residia o direito à diferença.

Estas revistas, como as crónicas dos gajos bons, mereciam ser acompanhadas todas as semanas.

Em algumas semanas eram brilhantes, noutras apenas cumpriam a função. Mas a assinatura que procurávamos, estava sempre lá. Mais pseudónimo, menos pseudónimo.

Nós que amamos os cronistas, não queremos apenas ser conquistados pelo seu intelecto, coragem ou estranheza.

Gajo bom que escreve crónicas, conquista-nos sempre pela sua vulnerabilidade.

[Quem será este homem?
Porque escreve cartas?
Para quem?]

Filipa, 5.6.2022

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