A Garota Não: “Há um ‘refulgor’ na cena musical setubalense”
Escrito por Filipe Pedro em 13/05/2022
Após o concerto em Arruda dos Vinhos e antes de uma conversa da cantautora com Jacinto Lucas Pires, Filipe Pedro trocou umas palavras com Cátia Mazari Oliveira (A Garota Não) sobre a efervescência da cena musical setubalense, as colaborações do novo álbum “2 de Abril” e o conceito original do livro-disco. As respostas foram suculentas. Daniela Azevedo esteve por detrás da lente.
Depois de se ter dado a conhecer com “Rua das Marimbas n.7”, A garota não edita “2 de Abril”, o segundo álbum de originais, onde homenageia as memórias do bairro onde cresceu e nos propõe uma viagem pelas inquietações do presente e em busca do amor.
Cátia Mazari Oliveira, mais conhecida como A garota não, nasceu no bairro 2 de Abril, em Setúbal, no ano de 1983. A música esteve sempre presente na sua infância, seja através dos discos do pai, que ouvia José Afonso, Rui Veloso, Bob Dylan ou Neil Young, fosse através da música que os seus vizinhos faziam ecoar pelas ruas do bairro e que iam do flamenco à música africana, passando pelo rock e pela música eletrónica. Depois de alguns anos a tocar jazz e música popular brasileira, apresentou-se em nome próprio em 2019 com o aclamado “Rua das Marimbas n.7”, um álbum tocante e surpreendente, que a fez percorrer uma tour com mais de 40 espetáculos.
Três anos depois regressa às edições discográficas com “2 de Abril”. O bairro 2 de Abril era um conjunto de prédios fechados sobre si com pátios ao centro, para os quais todas as varandas ou patamares convergiam. Esses pátios eram transformados em verdadeiros estúdios de cinema, sendo apropriados coletivamente como espaços de aventuras, brincadeiras, partilha e muita inocência. É a partir destas memórias que a compositora construiu um álbum povoado de histórias, fotografias e canções que igualmente convocam as múltiplas inquietações do presente – da gentrificação à afirmação da extrema-direita, das desigualdades de género à xenofobia, da crise dos refugiados à pobreza e à exclusão social.
Para a cantora e compositora este é um trabalho que “fala do quotidiano sem glamour, de movimentos perpétuos e da fé que perdemos. Mas também fala de horizonte e de fôlego infinito – o que nos chega quando as coisas puras nos entram pelos olhos adentro”.
Preenchido com 20 temas originais, este é um álbum longo e diverso que a autora assume ser uma “uma viagem pela amizade e pelos desencontros que semeiam valor, e sobretudo uma viagem de busca pelo amor.” Entre as memórias do passado e as urgências do presente, “2 de Abril” é um trabalho “temperado com vontade, comoção, raiva, cansaço e aquela dose de angústia de onde se arrancam os temas mais doridos. E depois serenidade. E depois alegria. E no fim disto tudo, uma grande gratidão.”
Apesar de ser um projeto autoral, este é um trabalho que reúne inúmeros convidados importantes: Sérgio Mendes na co-produção e nos muitos instrumentos do álbum; Diogo Sousa na bateria; Ana Deus no poema da Francisca Camelo; Sandra Batista e o Gustavo Andrade no baixo; Ana Du Carmo, Ana Rita Oliveira, Vanessa Mascarenhas, Tiago Morais e João Mota nas vozes; Barofa no beatbox; Tânia Lopes e Fernando Molina nas percussões; e ainda Ohmonizciente, Chullage, Pedro Norte e Fred Pinto Ferreira.