TSS2: Até que a velhice triunfe sobre a memória
Escrito por Tiago Pereira da Silva em 26/01/2022
«That Sweet Spot» (TSS), por Tiago Pereira da Silva
Crónica 2: Até que a velhice triunfe sobre a memória
Imaginem uma banda de Hard-Rock, em que cada um dos elementos da mesma é provavelmente um dos melhores no seu “oficio”?
Lembro-me bem de que quando visitei Londres pela primeira vez, combinei com a minha mulher de que as visitas a dois locais “sagrados” eram religiosamente inegociáveis: “naturalmente” os estúdios «Abbey Road» por um lado e outro muito menos provável, a maravilhosa sala de espetáculos do séc. XIX – Royal Albert Hall. Não deve haver um grande nome da música anglo-saxónica que não tenha tocado ali. E Londres é uma cidade incrível, com uma força cultural que nos engole. Por vezes até a carteira. E se não conseguimos estar em Cuba ou no Brasil e não chocarmos com algum tipo a fazer música na rua, também não é possível circular em Londres e não dar de frente com uma loja de discos em qualquer canto. É sem dúvida alguma, a capital europeia da música.
Mas voltando ao Royal Albert Hall, recordo desse dia, que pedimos para fazer uma visita guiada, para poder conhecer melhor as histórias por de trás daquele local sagrado para a cena cultural Londrina. Tivemos sorte, porque apanhamos um grupo de umas 10 pessoas já contando connosco. A páginas tantas dou por mim, numa espécie de transe musical habitual, a desafiar o nosso anfitrião (o guia) para nos contar pormenores das 42 noites seguidas, em que Eric Clapton tocou com a sua super banda, entre Janeiro e Fevereiro de 1991 e que viria a dar o belíssimo disco «24 nights».
O olhar incomodado dos restantes turistas, dirigido naturalmente sobre a minha pessoa, não contribuiu muito para terminar a minha cegueira momentânea. O nosso guia (com uns 75 anos) sabia “tudo” sobre o Royal Albert Hall. Desde os mais bem guardados segredos de sua da arquitetura, remodelações, mas também e sobretudo, actuações míticas de quase todos os meus heróis musicais: Beatles, The Band, Stones, Dylan, Hendrix, Zeppelin ou por exemplo os Purple.
Uma em particular irei conservar até que a velhice triunfe sobre a memória. Caminhando até mim perdido de riso, o guia segredou-me assim: «Você sabia que uma das melhores actuações de sempre desta sala, nem sequer teve público. Deve ter tido apenas os técnicos de som, luz, equipa de filmagem, eu e pouco mais.» Por esta altura eu já estava com pele de galinha. É então que ele me pergunta: – «o senhor gosta dos Zeppelin?». Ao que eu respondo perentoriamente, devolvendo a pergunta: – «Se eu gosto dos Led Zeppelin? Não. Adorooooo!»
E o nosso Guia, por esta altura, já bastante emocionado, remata com um: – «Pois bem! O que estes senhores (Page, Plant, Jones e Bonham) fizeram a 9 de janeiro de 1970, com a canção de Willie Dixon – I Can Quit you Baby no sound check e no concerto da mesma noite ficará eternizado para sempre». Há memórias que despertam uma recordação. Aqui há uma recordação que irá sempre despertar-me a memória.
Lembra-se da minha primeira pergunta que lhe fiz? «Imaginem uma banda de Hard-Rock, em que cada um dos elementos da mesma é provavelmente dos melhores no seu “oficio”?» Está aí a resposta. Essa banda existiu de facto e chamavam-se Led Zeppelin. Foram a mais completa banda de estúdio do seu tempo, dentro do género. Num proto-heavy-metal ou Hard Rock absolutamente inovador. O que não imaginamos, sobretudo, para quem não viveu aquele período e já só pode ver o impacto e a influencia que a banda teve, é que para além dessas características, eles foram ignorados por grande parte da imprensa britânica. Mas não só.
A Rolling Stone foi reconhecidamente impondo uma espécie de bullying afectivo sobre a mesma, isto para uma banda que esgotava e esgotou inúmeros concertos de Estádio. E por falar na revista norte-americana, como diria um Lester Bangs agora… os Zeppelin apareceram para um último grande suspiro do Rock and Roll e suas ramificações! E como muitos saberão, Bangs até nem tinha grande relação com eles, pelo contrário, vivia numa assumido amor-ódio. Para mim, os Zeppelin eram inigualáveis em estúdio, só perdiam em densidade musical ao vivo para os Deep Purple. Aliás banda de que vos falarei no próximo Episódio.
Quando os Zeppelin começaram, Jimmy Page já era considerado dos guitarristas mais influentes em Inglaterra e John Paul Jones, o baixista, teclista e multi-instrumentista também já era dos músicos de estúdio mais solicitados em Londres. Inclusive, Page, vinha dos recém-terminados Yardbirds, mas John Bonham por exemplo, que é talvez o mais aclamado baterista da história do Rock, tinha pouco mais de 20 anos. Nesta sweet spot que, hoje, vos trago, procure esta mesma gravação no disco «Coda» dos Zeppelin, se não conhece, a transformação emocional em si ocorrerá muito naturalmente. Vale sempre a pena relembrar que a versão de Coda foi de um concerto ao vivo, em que o som do público foi retirado e a música cortada no inicio e final, apesar de dizer sound check.
A canção original de Willie Dixon é um clássico blues de doze compassos, mas aqui, a batida de Bonham é tão intensa em sintonia com o baixo de John Paul Jones, que inaugura, como nunca antes, esta roupagem de heavy-blues tão Zeppeliana. E o trabalho de Robert Plant? Esta é a versão em que Robert Plant estremece tanto o microfone, que o som exaurido desta gravação, se assemelha ao desespero de um escravo saído da antiga Roma. Talvez esteja a exagerar! Mas o melhor mesmo é ir confirmar o que digo.
Há quem possa dizer que «I Can quit you baby» de «Coda» sugere aquela premissa de alguns escritores “de que o caminho de alguma literatura é a de dizer coisas velhas de maneira nova”. E os Zeppelin eram únicos neste registo, mas também no seu contrário. E o Blues não tem nada de velho, muito pelo contrário. Sorte a minha que despertei para estes “tipos” aos 12 anos, muito por culpa do meu amigo Hugo Loureiro. E se de facto os Zeppelin reflectem a grande literatura, como que um «Benjamin Button» de Scott Fitzgerald, como se um Blues de certa forma é como um velho que nasce de novo adolescente. E não há nada de errado nisso, até porque como ouvimos na Gibson Les Paul de Jimmy – o Blues são o esqueleto musical da sua formação. Ele próprio, imagino eu, nunca se sentiu tão mergulhado nas palavras de Muddy Waters, como aqui: when I was a young boy, At the age of five, My mother said I was gonna be, The greatest man alive. But now I’m a man, I’m age twenty-one, I want you to believe me, honey, We having lots of fun, I’m a man (yeah).